Economia Política e Luta de Classes

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Professor de Economia Política da Universidade Estadual do Ceará - UECE e Universidade de Fortaleza - UNIFOR

quinta-feira, setembro 07, 2006

Miséria em Queda: Uma Revolução Liberal

Em 2004, um pouco mais de dois milhões de brasileiros deixaram de ser pobres. Ficaram ricos? Claro que não. Tanta gente assim não enriquece da noite para o dia. Que aconteceu, então? - Cruzaram a linha da pobreza: isto é, passaram a contar com um rendimento mensal igual ou superior a R$ 115,00 (cento e quinze reais). Valor suficiente, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para adquirir uma ração diária de 2.288 calorias. Nada mal! Os recém egressos da miséria vão poder agora se alimentar melhor. Mas não vai ser nada fácil administrarem um cardápio tão saudável. Vão precisar da ajuda de um economista, para planejar como devem empregar “tanto dinheiro” na compra de bens que lhes proporcionem uma maior taxa calórica de retorno, por cada unidade de tostão despendida.
Ironias à parte, R$ 115,00 são o limite utilizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para quantificar o universo dos miseráveis. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aquela instituição constatou que o contingente de pessoas, que ganhava menos do que R$ 115,00, caiu de 27,26%, em 2003, para 25,08%, em 2004. Variação equivalente a uma redução de 8% no número de pobres. Resultado surpreendente, considerando que em 2003 a miséria tinha crescido 3,9%, com relação ao ano anterior, 2002.
Vivas ao governo Lula? Decerto que sim. Mas o crédito de tamanha façanha não deve ser conferido unicamente a ele. O estudo da FGV reconhece que a pobreza está em queda livre desde 1993. Com efeito, em 1992, 35,87% dos brasileiros não dispunham de renda suficiente para adquirir as 2.288 calorias diárias: eram pobres. No ano seguinte, 1993, a situação piora ainda mais: a proporção de miseráveis cresceu para 36,57%; um salto de 1,95%. Daí em diante, a pobreza é cada vez menor: em 1995, a proporção de pobres caiu para 29,82%; para 29,80%, em 1996; para 28,72%, em 2001 e para 26,23%, no último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, 2002.
Não há como negar: a redução da miséria começou bem antes de o "presidente operário" chegar ao poder. A bem da verdade, no primeiro ano do governo Lula, o número de miseráveis cresceu 3,9%. Mesmo assim, a redução da pobreza, em 2004, foi bem maior do que aquela verificada em todo o período que vai de 1993 a 2004. Segundo a FGV, neste período, que inclui os dois mandatos de FHC, a redução da pobreza foi de 2,9%. Portanto, inferior àquela observada em 2004, que foi da ordem de 8%.
Créditos autorais à parte, o estudo da FGV mostra que a pobreza vem diminuindo desde 1993. Como principal causa dessa queda, aponta a redução na desigualdade de renda. Em 2001, os 10% mais pobres da população se apropriavam de 12,4% da renda gerada. Em 2004, detinham 14,1% de toda renda proveniente do trabalho, aposentadoria, pensões, aluguéis, juros, seguro-desemprego, programas sociais etc. Por sua vez, os 10% mais ricos perderam renda. Em 1990, se apropriavam de 48,0%; em 2004, ficaram com 44,7% de toda a renda. O estrato intermediário, a chamada classe média, elevou a sua participação na renda: de 40,8%, em 2003, para 41,2% em 2004. Se é verdade que contra fatos não há argumento, então, os pobres, realmente, melhoraram de vida.
Mas atenção! A redução na desigualdade de renda, apontada pelo estudo da FGV, se refere à distribuição da renda dentro do universo dos que vivem do trabalho. Noutros termos, refere-se à desigualdade de remuneração entre o maior e o menor rendimento auferido pelos trabalhadores. Bem diferente é a participação dos rendimentos (dos salários) no total da renda nacional ou do produto interno bruto (PIB). Visto desta perspectiva, os pobres ficaram mais pobres. Com efeito, em 1964, os salários representavam 62,3% de toda a renda gerada na economia. A partir de 1990, os trabalhadores passaram a se apropriar de uma fatia cada vez menor de toda riqueza gerada: 45,4%, em 1990; 37,2%, em 2000; 36,1%, em 2001; 31,5%, em 2003 e 29,4%, em 2004.

Conclusão: os donos do capital ficaram mais ricos; os trabalhadores mais pobres. A redução na desigualdade de renda entre eles, como revela o estudo da FGV, não foi além de uma redistribuição da renda no interior do universo dos que vivem do trabalho. É o jeito liberal de combater as desigualdades sociais.

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